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Em sua análise sobre o Oeste Paulista Monbeig destaca entre outras questões a associação entre o avanço da “franja pioneira” [1] e o cultivo do café. Ao comparar o processo em meio à paisagem da Depressão Periférica Paulista, afirma que em seu estado atual, “a estrutura econômica do mundo pioneiro se parece como a expansão do que ele havia sido no momento das primeiras penetrações dentro dos planaltos ocidentais (...) a agricultura era o fundamento da riqueza, que se media em cafeeiros[2]” (MONBEIG, 1998: 240), desta forma, constata que o café ainda se instaura como elemento de importância ao desenvolvimento econômico do Oeste paulista, dotado porém, de algumas particularidades, uma vez que em determinados períodos passa a ter sua importância diluída.

 

A antiga paisagem natural cortada por engenhos de açúcar herdada da colônia se enriquece e diversifica com a multiplicação de fazendas de café e as estâncias de gado, pontilhadas ao longo dos novos caminhos.

 

Tendo como referência o fato de que o cultivo do café atinge as regiões de Campinas e Jundiaí provenientes do Vale do Paraíba em 1860, seu cultivo se condiciona como ciclo econômico no Estado de São Paulo em 1870, sendo sua expansão paralela ao avanço da marcha para o oeste[3]. “As relações humanas encontram-se modificadas. O fazendeiro não tem outra ambição senão a de cultivar seu cafezal e de desfazer-se das terras impróprias ao seu trato” (MONBEIG, 1998: 240). A crescente produção se depara com as dificuldades de transporte dos grãos até os portos de exportação. Os resultados deste processo estimulam a abertura de inúmeras companhias ferroviárias, que assim como o cultivo do café expandem suas fronteiras, criando ao longo deste processe as condições iniciais para o surgimento de um complexo industrial.

 

 

 

 

 

 

 

 

CAFÉ E FERROVIAS. Fonte: SCHIAVON, 2015.

 

Com o passar dos anos, a “marcha do café”, avança em direção às planícies do Oeste do Estado. Esta nova fronteira representa com o tempo a maior expansão e diversificação da produção agrícola, agindo em suporte ao povoamento e à integração nacional. A riqueza fundiária, a produção agrícola e os meios de transporte estavam reunidos sob as mesmas mãos e era fácil enumerar os poucos que dirigiam efetivamente o movimento pioneiro. (MONBEIG, 1998: 240)

 

Conforme afirmado por Matos (1974: 22-27) “a situação de isolamento em que o planalto paulista viveu durante quase todo o período colonial, (...) criou para as regiões de “serra acima” uma configuração sócio-econômica (...) especial dentro da comunidade brasileira.” Atividades econômicas foram ensaiadas em outras regiões, porém por muitas vezes esbarravam nas dificuldades de comunicação, “as ligações do planalto com o litoral permaneceram precárias durante muito tempo, apesar das exigências que a nova cultura impunha para as necessidades do transporte”.

 

Caracterizados como eixos capazes de propiciar o aparelhamento técnico nacional, as ferrovias possibilitam a integração do território paulista, que apresenta neste processo cerca de 65% de seu território ocupado pelo avanço des franges pionnières[4] (MONBEIG, 1998).  Neste processo, “o oeste paulista foi o motor de vários fenômenos impressionantes e rápidos: o surgimento de uma nova aristocracia rural, que passaria a dominar também a cena política da província e investir na crescente industrialização da capital.” (Langenbuch, n.d, apud: RETTO Jr. et. al. 2009)

 

Considerando que ao longo de diversos períodos “o café continua sendo a riqueza da frente pioneira” (MONBEIG,1998: 254). Em 1920 registros demonstram a existência de mais de 20 mil fazendas de café entre a região central e a porção oeste do Estado de São Paulo. Em geral, essas propriedades e regiões já eram servidas por uma ampla rede de ferrovias destinadas ao transporte de sua produção, amplos terreiros e máquinas de beneficiamento de grãos, em grande parte movidas à energia elétrica.

 

Nas frentes pioneiras, o solo, ainda virgem, comporta um tumultuoso aproveitamento com grande variedade de plantas: leguminosas, gramíneas, tubérculos, que desfrutam nos primeiros anos, de solo humoso, dependendo das preferências, muitas vezes, da origem étnica ou regional do pioneiro. O feijão, a soja, as touceiras de cana-de-açúcar, a abóbora, a mandioca, o arroz e o milho merecem a preferência (IBGE, volume XII, 1956: 161).

 

Se “plantar para vender envolve riscos – é preciso também plantar para comer. Dessa forma, ao lado das culturas comerciais, as de subsistência têm um lugar importante”. (MONBEIG, 1998: 249) Neste cenário, além do café, produtos como a mandioca, milho, arroz, amendoim e o algodão seriam cultivados e beneficiados de diferentes maneiras. A diversificação agrícola desenvolve com o tempo, um comércio interno articulado inicialmente entre as localidades vizinhas.

 

O milho e o arroz, campeões das culturas de subsistência da franja pioneira, acham-se estreitamente associados ao feijão e à mandioca. (...) Os feijões, em grau de importância idêntico ao do arroz e do milho, participam da alimentação doméstica e também são objetos de vendas. (MONBEIG, 1998: 253)

 

Em auxílio à crescente produção de variados gêneros e o aumento das demandas urbanas, tem início a diversificação industrial em torno do beneficiamento e preparo de alimentos, um processo acompanhado também pela maior ação de serrarias, olarias e pequenas fundições dispersas ao longo da recém criada rede de cidades buscando atender o já citado aumento da demanda urbana e o avanço dos trilhos.

 

 

 

 

 

 

 

 

OLEAGINOSAS E FERROVIAS. Fonte: SCHIAVON, 2015.

 

A partir deste ponto, “não se deve identificar mais a marcha do povoamento com a do café, (...) as causas que acionaram a última (...), não são mais as de vinte anos, (...) a queda dos preços, em 1929, atingiu os fazendeiros quando estavam em vias de aumentar suas plantações, (...) o período que se sucedeu à crise econômica de 1929 ficou marcado não só pelo estancamento das plantações de café nos municípios jovens de São Paulo, mas também pelo receio dos cafezais já existentes.” (MONBEIG, 1998: 255-259).

 

Desta forma, observa-se que com a diminuição dos rendimentos e a distribuição dos cafezais “(...) a concorrência de outros produtores (...) tornou urgente reconstruir o capital que são os cafeeiros. Assim, o avanço para oeste não é mais uma progressão, mas uma espécie de fuga.” (MONBEIG,1998: 261) Um contexto onde além da diversificação da produção agrícola, a grande quantidade de terras recém desmatadas torna-se uma opção econômica: “vender terras tornou-se, assim, fonte de recursos menos incerta e mais rendosa”. (MONBEIG,1998: 241)

 

Com o intuito de tornar os negócios mais lucrativos, entram em cena inúmeras empresas de colonização, cuja tarefa era organizar o espaço, dividindo grandes propriedades em áreas menores, buscando assim seu máximo rendimento e otimização. Entre suas ações destacam-se os “trabalhos preparatórios para o povoamento, comércio da terra virgem e presença de grandes grupos capitalistas são os traços que conferem à franja pioneira paulista a sua originalidade atual e marcam a ruptura com o tempo dos fazendeiros” (MONBEIG, 1998: 241), diferenciando assim, o desenvolvimento e o povoamento das regiões litorâneas, cujos ambientes urbanos são heranças do período colonial e a franja pioneira.

 

Plantações de café, cultura do algodão ou pastagem de engorda, são esses atualmente os temas fundamentais da paisagem e os três alicerces da produção, em torno dos quais se organizam as atividades dos grandes e dos pequenos cultivadores. Outras culturas comerciais podem aparecer aqui ou ali, nascidas de um entusiasmo passageiro, mas nem pelo volume da produção, nem pelas superfícies utilizadas, elas podem rivalizar com o café, o algodão e a criação de gado. (MONBEIG,1998: 249)

 

Nota-se desta maneira em meio a toda a zona o pioneira o notório sincronismo entre o apogeu da cultura do algodão e facelamento de fazendas em pequenas propriedade. Em geral ambos os processos apresentam uma maior concentração a partir de 1932, período em que boa parte da áreas de domínio dos cafezais sofrem com os efeitos do abalo econômico de 1929. Desta forma, “outrora restrito às terras medíocres dos arredores de Sorocaba, o algodão invadiu todo o Estado. Seu domínio não se limitou só às zonas pioneiras, mas é lá que (...), estão os grandes centros produtores”. (MONBEIG, 1998: 280)

 

 

 

 

 

 

 

 

FERROVIAS E PECUÁRIA. Fonte: SCHIAVON, 2015.

 

O cultivo do algodão imprime a região pioneira um novo ambiente, suas lavouras passam a assegurar a movimentação das indústrias da capital, uma vez que as máquinas de descaroçamento são distribuídas em meio aos recém criados patrimônios da frente pioneira, tendo em muitos casos algumas particularidades em comparação ao ciclo do café, ao passo que o grão concentrava em torno de sua cadeia produtiva o predomínio do capital nacional, o cultivo e beneficiamento do algodão demonstra a dependência dos produtores às grandes empresas nacionais e estrangeiras, entre as quais se destacam as indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, Sanbra, Anderson Clayton, cujas unidades se fazem marcantes em todas as regiões.

 

Assim como ocorrido com o algodão, “transformar a plantação em declínio (...) em pastagem, pareceu a solução mais econômica” (MONBEIG, 1998: 303). Desta forma, após a crise de 1929 tornam-se mais frequentes áreas de pastagem para o abrigo do gado proveniente dos Estados de Mato Grosso e Goiás.

 

É preciso restaurar o gado para obter um peso conveniente, (...) as pastagens de engorda de São Paulo estão menos expostas aos rigores da seca do que as do Brasil Central. (...) Na franja pioneira, essas invernadas encontram-se na posição geográfica mais favorável para receber as boiadas emagrecidas. As que se localizam junto à linha da Noroeste, desde os campos de Avanhandava até as pastagens de Castilho e Junqueira, recebem os comboios vindos por estrada de ferro, ou as tropas vindas pelo Porto Independência. Depois da engorda, os animais cobrem facilmente a penetração do gado na zona Pioneira. (MONBEIG, 1998: 305)

 

Ocorrendo em período semelhante ao algodão e demais ciclos agrícolas, a pecuária se apresenta como uma atividade “livre da eterna preocupação com a mão-de-obra”, desta forma, num momento onde “era preciso encontrar uma atividade que usasse poucos braços (...) a criação do gado oferecia uma saída cômoda.” (MONBEIG, 1998: 303).

 

A partir de 1930 o arroz aparece como concorrente do milho[5] nas lavouras plantadas logo após a derrubada das matas, sendo apenas após 1945 plantado com maior desenvoltura. Reflexo da alta dos preços em função do crescente consumo ocasionado pelo aumento da demanda de abastecimento das populações urbanas e exportação, tornando-se assim uma cultura comercial que não chega a atingir os mesmos índices que o café e o algodão, mas que concentram certa dinâmica em seu entorno.

 

A agricultura constitui ainda o fundamento das funções comerciais e industriais. Mais numerosas são as instalações industriais, e sobretudo maiores que nos centros satélites. Mas o essencial sempre são as máquinas de beneficiamento. Menos numerosas, as serrarias, que de perto seguem o desmatamento. (...) Em compensação, aparecem indústrias que, tirando sempre suas matérias-primas do desbravamento e da agricultura, nem por isso deixam de assinalar um aprimoramento do parque industrial. (MONBEIG, 1998: 365)

 

[1] Frente Pioneira: esta expressão é utilizada por autores como Pierre Monbeig para a identificação da cidade, ou ponto limite do avanço dos trilhos de determinada companhia. Este processo é comandado pela Franja Pioneira, que em seu processo de desbravamento do território paulista iniciado a partir do Estado do Rio de Janeiro, mais precisamente do Vale do Paraíba.

[2] Região representada pelas cidades de São Paulo, Campinas, Jundiaí.

[3] Marcha para o Oeste_ nomenclatura utilizada por Monbeig ao processo de expansão do território brasileiro intensificado no fim do século XIX e início do século XX. O intuito era promover a ocupação além dos limites da Depressão Periférica Paulista, interligando diversos Estados brasileiros às regiões mais desenvolvidas e ao Porto de Santos. Compõe tal Marcha os Estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso e Minas Gerais.

[4] Franges Pionnières, vide definição de Franja Pioneira

[5] O milho teve seu apogeu com a imigração italiana, que o adotou em substituição à mandioca, o alimento básico da mão-de-obra da fazenda. Mesmo com esta substituição, a mandioca jamais se ausenta, porém em função de ocupar um espaço menor quando comparado aos demais itens de subsistência, raramente seu cultivo destina-se à comercialização.

Referências bibliográficas:

IBGE. Enciclopédia dos municípios brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, v. XII, 1956.

 

MATOS, Odilon Nogueira de. Café e Ferrovias. A Evoulção Ferroviária de São Paulo e o Desenvolvimento da Cultura Cafeeira. São Paulo: Alfa-Omega, 1974.

 

MONBEIG, Pierre. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. São Paulo. Editora HUCITEC, 1998.

 

SCHIAVON, Taís. Le Chemin de Fer Noroeste do Brasil et les paysages industriels de l’Ouest de l’État de São Paulo, comme patrimoine de la Mobilité au Brésil.Master TPTI, Universidade de Évora, Évora, Portugal. Dissertação de Mestrado, 2015. Disponível < http://dspace.uevora.pt/rdpc/handle/10174/18401> acesso, jan. 2017.

 

 

A DIVERSIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO
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