top of page

As linhas ferroviárias desbravadas na porção oeste de São Paulo tinham como objetivo a abertura de novas fronteiras, a dispersão do povoamento e desenvolvimento econômico do Estado e País como um todo. Neste processo observa-se a dualidade entre a pré-existência de cidades, formas de organização e de desenvolvimento econômico, ou o completo desbravamento de regiões. Desta forma, cada período e área de atuação da frente pioneira possui uma característica específica ao desenvolvimento de seus eixos.

 

As ferrovias desbravadas na porção Oeste de São Paulo tinham como proposta a possibilidade de criação de novas fronteiras, permitindo a consequente exploração das regiões recém desbravadas, garantindo o suporte necessário às ferrovias instaladas.

 

Até o início do século XX, as linhas férreas caracterizavam-se como a principal via de comunicação, que juntamente à navegação, ligavam os centros de produção aos portos de distribuição. (XAVIER, 2001: 331)

 

No Brasil, a mentalidade rodoviária já aparece na década de 1910, e vai ao longo dos anos ganhando cada vez mais forças. Mesmo com a locomoção de pessoas e bens sendo realizado em sua totalidade por meio de linhas férreas, as antigas estradas de terra, ainda que escassas e inseguras, eram por inúmeras vezes responsáveis pela interligação de localidades ainda não alcançadas pela ferrovia.

 

O surgimento do rodoviarismo no Brasil, e em particular no Estado de São Paulo, encontra-se no fato de suprir as necessidades de pessoas que viviam em locais onde a ferrovia ainda não havia chegado, forçando a utilização destes eixos precários, em acréscimo ao estímulo gerado pela chegada do automobilismo, de grande interesse por parte de alguns empreendedores, exigindo desta forma melhoras nas vias para aproveitamento do conforto e velocidade trazidos por ele. Neste período as estradas de rodagem se tratavam de pequenos investimentos pontuais de apoio à rede ferroviária, constituindo desta maneira um sistema secundário.

 

O Plano de Viação do Estado, de 1913, elaborado pelo professor Clodomiro Pereira da Silva, mostra este ideal por meio do planejamento de duas categorias de estradas, dentre as quais: as agrícolas, que serviriam de apoio às ferrovias, sendo financiadas pelas municipalidades através de impostos cobrados das pessoas que o utilizam (produtores de café, principalmente), tendo desta maneira, principalmente o caráter econômico; e as de longo curso, destinadas a interesses pessoais, financiadas por particulares. Em 1917, como prova da disseminação desta mentalidade é organizado o 1° Congresso Paulista de Estradas de Rodagem, um ano após o início da construção da Via Anhanguera, em 1916, ligando São Paulo – Jundiaí, considerada a primeira rodovia moderna do país. “O automóvel despertou a velocidade da tribo”. (EUCLIDES DA CUNHA, 1901)

 

A vantagem de poder transportar  em caminhão cargas variadas como sacas de café, de arroz, de milho e feijão eram anuladas pela ausência de estradas capazes de suportar o peso. Os fazendeiros, que haviam compreendido muito bem o que aproveitar da estrada de ferro, adotariam rapidamente o Ford e o caminhão e convencera-se da necessidade imperiosa de construir estradas. A iniciativa de criar a rede rodoviária ficou a cargo do Estado, que lançou o slogan “boas estradas para todo o ano”. (...) (MONBEIG, 1998: 198)

 

Durante o transcorrer da década de 1920, o país é tomado pelo desejo de integração nacional, sofrendo inúmeras transformações impulsionando o aumento da rede de estradas, ocorrido em razão da ascensão do Dr. Washington Luiz ao posto de presidente do Estado, cujo lema de governo girava em torno da frase “governar é abrir estradas”. Em 1921, é confiada ao engenheiro Joaquim Timóteo de Oliveira Penteado a Inspetoria de Estradas de Rodagem, dando ao rodoviarismo paulista um grande impulso, ampliado anos mais tarde a nível federal, quando se torna presidente da República. Neste mesmo ano, é elaborado o primeiro Plano de Viação do estado com caráter exclusivamente rodoviário.

 

Ao contrário da ferrovia, a construção de uma estrada de rodagem em torno da ligação de dois pontos importantes, deveria atravessar o maior número possível de cidades e povoações existentes entre tais extremos, ou em muitos casos, passar por glebas de pessoas influentes da época com intuito de valorização de suas terras, com a possibilidade de surgimento de futuras povoações em suas redondezas.

 

Ao longo da década de 1930 e início da década de 1940, nota-se um considerável aumento da extensão das rodovias e um declínio da continuidade de extensão e investimentos em torno das ferrovias, resultado da transição do cenário econômico agro-exportador para o de produtor industrial e importador de diversos produtos anteriormente importados. Esta transição reflete o fortalecimento do mercado interno, concomitantemente ao rápido processo de urbanização. O ideal em torno do transporte intermodal permanece, mas, nesse momento, inicia-se um decréscimo no tráfego ferroviário, devido à concorrência entre o caminhão e as estradas de ferro, situados paralelos um ao outro, porém discrepância explicada como consequência da crise de 1929.

 

Para Xavier (2001: 333) “as rodovias tornaram-se um dos principais instrumentos para formação de um mercado nacional unificado e para a circulação exigida pela nova divisão territorial do trabalho que se esboçou nas próximas décadas”.

 

O parque automobilístico, contudo, crescia mais depressa do que a quilometragem das estradas. (...) No entanto os grandes eixos rodoviários construídos pelo Estado interessavam pouco à franja pioneira. Empreendimentos individuais, estimulados por grupos de fazendeiros ou por empresas de colonização eram muito mais eficazes. Em toda a franja pioneira, velhos caminhos foram alargados e foram construídos novos. (...) (MONBEIG, 1998: 198-199)

 

 

Na década de 1940 o rápido desenvolvimento do interior paulista exigia um meio de comunicação veloz, apesar de a ferrovia continuar sendo o principal transporte, não supria a carência pela agilidade do escoamento da produção, o rodoviarismo encontra neste ponto, impulso ao aumento da extensão de seus eixos, anteriormente concentrados em sua maioria na porção Sudoeste do Estado de São Paulo.

 

A partir da década de 1950, são marcados pela forte e centralizada ação do Estado, acompanhado pela intensa industrialização do país. Ações como o Plano de Reaparelhamento Econômico (1951-1954), e o Plano de Metas (1956-1961), ativam uma nova etapa de modernizações, priorizando as redes de transporte necessárias à articulação inter-regional.

 

Nesse contexto, as estradas de rodagem foram escolhidas como principal meio para a realização dos fluxos de mercadorias e pessoas no país. Caberia a elas integrar as zonas de fraco povoamento e produção para constituir um mercado unificado comandado por São Paulo” (XAVIER, 2001: 334).

 

Instala-se então, não apenas políticas de desativação das ferrovias, mas uma cultura que privilegiava a rodovia e o automóvel. A modernização de trens de transporte de passageiros passa a ser considerada desnecessária, à ferrovia a partir deste período coube o papel de transporte de cargas, em percursos de longas distâncias (PAULA, 2010: 149).

 

Com a melhoria da rede rodoviária e o aumento do número de veículos de passageiros e de cargas, ao lado da ampliação do mercado interno que intensificou e diversificou a circulação de pessoas e mercadorias, o transporte rodoviário suplantou efetivamente o ferroviário, que há muito já estava em crise. Neste período, as rodovias radiais são totalmente asfaltadas, juntamente com as transversais mais importantes. (MARQUES, 1974: 59).

 

As ferrovias foram, em seu auge, responsáveis pela definição dos principais rumos viários encontrados na malha atual, pelos centros de povoamento, e pela quase total ocupação do território paulista (MARQUES, 1974: 54); entretanto surgiram num contexto marcado pela dependência do mercado internacional e fragilidade do governo, despreocupado com sua conservação, concentrando sua atuação apenas em seu desenvolvimento, ocasionando seu sucateamento e escassez de recursos para seu melhoramento.

 

A análise e confrontamento dos dois principais meios de mobilidade adotados pelo país e a passagem por seus diferentes ciclos, demonstra que a ferrovia fora fator importante ao desenvolvimento da economia cafeeira e consequente ao inicial surto do desenvolvimento industrial. Ao passo que as rodovias surgem num momento de busca em torno da integração nacional e desejo de modernização das bases econômicas do país, reflexos do intenso processo de industrialização vivido. O crescimento da economia brasileira não foi acompanhado do processo de modernização de suas antigas bases de mobilidade urbana, a crescente necessidade em torno da agilidade e velocidade na comunicação ocorrida em um período em que o Estado intervinha fortemente na economia, prejudicam sua continuidade e incentivam seu processo de deterioração e degradação em meio à paisagem urbana consolidada. A criação e o fortalecimento de órgãos administrativos juntamente ao desenvolvimento de políticas de estímulo às vias rodoviárias, somados aos grandes investimentos privados, aceleram a substituição do modelo anterior. São elas que agora interligam as ocupações referentes à fase ferroviária por meio de seus traçados transversais, em contrapartida com os radiais das vias de até então; e traçam a mudança nas redes de comunicação atuais, sobrepondo redes e articulando pontos em outra escala de velocidade e espaço. A rodovia, diferente da ferrovia, passa a ser considerada um fator importante para o PROGRESSO do país.

 

 

 

 

 

 

 

 

 RODOVIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO. Fonte: SCHIAVON, 2015.

 

Ao passo que as ferrovias surgem com a função de estabelecer eixos em busca do café e novas áreas para o povoamento, as rodovias buscariam as comunicações entre os núcleos urbanos e produtivos, um complemento ao setor de tráfego de ferrovias, neste sentido, a mentalidade rodoviária se torna um elemento de extrema importância à conjuntura dos planos políticos e econômicos das cidades anteriormente beneficiadas pelas ferrovias.

 

Acelera-se visivelmente o avanço urbano, durante esse período. (...) Todavia, os pioneiros, que abandonam as derrubadas, preferem as vastas aglomerações industriais às cidades pioneiras. Devem estas infinitamente mais aos pequenos proprietários que, cada vez mais numerosos, provocam um desenvolvimento da função comercial e industrial tanto das capitais regionais, quanto dos novos patrimônios. Mas, não são viáveis estes e aqueles senão na medida em que a rede de comunicações assegure o pleno desenvolvimento de suas funções. (MONBEIG, 1998: 346-347)

 

Resultado do avanço do modelo ferroviário de transportes, as cidades da porção Oeste do Estado de São Paulo representam o primeiro momento do delineamento de um sistema de criação hierárquica de cidades, responsável pela articulação do território com a aproximação das novas regiões produtoras, culminando com o aumento do peso das capitais regionais, além de garantir o beneficiamento de regiões de maior influência rodoviária.

 

A urbanização das cidades do oeste paulista descende das redes viárias, e a posição que ocupa uma urbe no território é seu próprio fator de hierarquia. Bauru é o exemplo claro do que é denominado “nós de comunicação”. Ao abrigar o cruzamento entre três eixos ferroviários, sobressaíram-se às demais cidades da região”. (PRADO, 2011: 26)

 

Esta nova estruturação culmina na diminuição da área rural e transição das principais atividades econômicas. No ambiente urbano, nota-se a alteração da hierarquia dos edifícios notórios da cidade, as antigas atividades são substituídas e redistribuídas, tendo como consequência a formação de vazios, resultado da falência ou expansão de ciclos anteriores. 

 

Referências Bibliográficas

MARQUES, Flávio Azevedo Saes. As Ferrovias de São Paulo: 1870-1940. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, USP, Brasil, 1974.

 

MONBEIG, Pierre. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Editora HUCITEC, 1998. 2ª Edição

PAULA, Dilma Andrade de. Ferrovias e rodovias: O dualismo na política de transportes no Brasil. In: Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 142-156, jul | dez 2010. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/49637858/Estado-Sociedade-Civil-e-Hegemonia-Do-Rodoviarismo-No-Beasil-Dilma-Andrade-de-Paula.> Acesso em: 28 abr. 2011.

PRADO, Nathalie do. Formação e transformação das cidades do centro – oeste paulista: o rodoviarismo e a substituição do sistema ferroviário. Ramal Noroeste. Orientação Bolsa Iniciação Científica. BP. IC. Processo 10/17492-5, 2011.

SCHIAVON, Taís. (2015) Le Chemin de Fer Noroeste do Brasil et les paysages industriels de l’Ouest de l’État de São Paulo, comme patrimoine de la Mobilité au Brésil. Master TPTI, Universidade de Évora, Évora, Portugal. Dissertação de Mestrado, 2015. Disponível < http://dspace.uevora.pt/rdpc/handle/10174/18401> acesso, jan. 2017.

 

XAVIER, Marcos. Os Sistemas de Engenharia e a Tecnicização do Território. O Exemplo da Rede Rodoviária Brasileira. In: SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil, Território e Sociedade no Início do Século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005.

RODOVIAS E A NOVA MARCHA
bottom of page