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O fim da Guerra do Paraguai, em 1870, reafirma as necessidades em busca do povoamento e o domínio do território brasileiro, idealizadas a partir da comunicação entre o estado do Mato Grosso (divisa entre países como Paraguai e Bolívia) e o litoral brasileiro. Essa região representava ao território Sul-americano, importante área de acesso ao Oceano Atlântico.

 

Após vários planos aproximando técnicos e engenheiros internacionais ao Brasil, como os Planos Rebouças (1874), Bicalho (1881), Ramos de Queiroz (1882) e o Plano da Comissão (1890), o governo brasileiro lança um decreto concedendo “privilégio, garantia de juros e mais favores para o estabelecimento de um sistema de viação geral ligando diversos estados da União à Capital Federal.”[1] Esse decreto permitia a criação de um trecho entre Uberaba (Minas Gerais) e Coxim (Mato Grosso), sendo sua concessão de responsabilidade do Banco União do Estado de São Paulo.

 

Mesmo em meio a este favorável contexto, as propostas deste primeiro decreto não são postas em prática. A falta de recursos suficientes à construção da companhia é colocada entre as possíveis causas do não cumprimento do decreto.

 

Em 1904, o Sr. Joaquim Machado de Mello, engenheiro brasileiro renomado na Europa, consegue juntar recursos entre banqueiros e investidores franceses e belgas para a construção da recém-criada Companhia de Estradas de Ferro Noroeste, que teve como ponto de partida a cidade de Bauru (São Paulo), o gerenciamento da empreitada foi de responsabilidade dos representantes da Compagnie Géneral de Chemins de Fer et Traveux Publics, uma empresa de capital franco-belga sediada na Bélgica. Recursos incomuns no estado de São Paulo, onde grande parte do financiamento de ferrovias possuía o capital nacional ou inglês. Investimentos franceses eram comuns em estados do Sul e Nordeste do país.

 

Curioso observar que em 1904, quando a firma empreitada da Noroeste mandou para Bauru a primeira comissão de engenheiros para proceder aos necessários estudos, a cidade não havia sido ainda alcançada pela ferrovia. Só no ano seguinte ali chegaria a Sorocabana e só em 1910 a Paulista. É o caso de dizer-se que a função ferroviária de Bauru começa antes da própria estrada de ferro (...) a nova estrada começa a desempenhar seu papel pioneiro, (...) o Engenheiro Lafon ressalta: É bem de assinalar-se a influência que tem o tráfego desta estrada de ferro sobre o rápido desenvolvimento da zona por ela atravessada, que era por assim dizer desabitada. (Neves, apud Matos, 1974: 97)

 

Iniciada em 1905 a construção da ferrovia tinha como ponto final a cidade de Cuiabá, então capital do Estado do Mato Grosso, destino alterado em 1908 para a cidade de Corumbá, na divisa com a Bolívia. A partir dessa conformação, a Noroeste abrigaria na cidade de Bauru um dos mais importantes complexos ferroviários da América Latina.

 

Esta alteração aproximaria o mercado brasileiro à Bolívia, Peru, Chile, Paraguai, Argentina e Uruguai, oferecendo um maior controle sobre as fronteiras e o  aumento da influência política do país no continente sul americano e a comunicação dos países de fronteira com o Brasil com o Oceano Atlântico, que, se realizado a partir de ferrovias, seria um meio mais rápido quando comparado à navegação fluvial.

 

A Noroeste do Brasil e a Brasil-Bolívia pela sua posição geográfica podem, em breve, ser um eixo de irradiação de pan-americanismo, pois a eles ficarão ligadas as capitais do Peru, do Chile, do Paraguai, da Argentina, do Uruguai e do Brasil e no futuro, o berço de Cândido Rondon e de Eurico Dutra, a terra que o impávido Luiz de Albuquerque defendeu para nós, será o pólo de atração de toda a América do Sul: ligação das grandes bacias do Amazonas e do Prata, caminho do Atlântico ao Pacífico. (Figueiredo, 1950: 91)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL E FERROVIA TRANSCONTINENTAL SANTOS-ARICA.

Em 1917 a União encampa por completo a Noroeste, com o fim da concessão a companhia é considerada uma estrada inacabada, com uma infinidade de pontes de madeira e estruturas ainda a serem construídas, entre elas as importantes pontes sobre os rios Paraná (divisa entre São Paulo e Mato Grosso) e Paraguai (divisa entre Brasil e a Bolívia). Nos anos 20 a companhia recebe novos investimentos do governo, neste processo, foram construídas as oficinas de Bauru, melhorias e alterações de trechos, equipamentos e unidades de suporte ao longo de todas as cidades da linha. Em 1939 a inauguração do imponente prédio da estação na cidade de Bauru, divide atenções entre a continuidade de investimentos em ferrovias e a nova estratégia nacional em torno da dispersão de rodovias pelo país. Mesmo apresentando graves problemas estruturais, as ferrovias ainda representam importância ao transporte de mercadorias.

 

Em 1957, após a criação da Rede Ferroviária Federal S.A (RFFSA), a Companhia foi incorporada à sua gestão. Anos mais tarde foi concedida à Ferrovia Novoeste S.A, denominada como Malha Oeste. Atualmente pertence à América Latina Logística S.A (ALL) após a fusão desta companhia com a Novoeste Brasil e a Brasil Ferrovias, fruto de transação acionária ocorrida em maio de 2006. Diversas estações foram desativadas e parte de seu trajeto abandonado. O transporte de passageiros teve seu fim em 1990, sendo destinado penas ao transporte de combustíveis e cereais, sufocando grande parte de seu potencial e histórico em decorrência da substituição do modelo ferroviário ao rodoviário.

Ferrovia e o contexto urbano

Entre as quatro companhias abertas na porção oeste do Estado de São Paulo, a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil possui como diferenciais o fato da origem de seus capitais, de natureza mista nacional e franco-belga, em acréscimo à comunicação entre os Estados de São Paulo e Mato Grosso, atualmente Mato Grosso do Sul. Referente às divisas, ao longo do prolongamento dos trilhos, ambas as companhias articulavam projetos buscando vencer os limites do Estado de São Paulo, porém em função de diversos obstáculos econômicos e estratégicos os projetos não alcançam sua execução.

Abrindo os sertões do oeste do Estado de São Paulo, em menos de 10 anos, a ferrovia transforma-se no primeiro meio de comunicação territorial e dispersão industrial de toda a região. Após diversas estratégias e planos, o eixo passa a adquirir em 1908 características internacionais, buscando a comunicação entre os Oceanos Atlântico e Pacífico em um projeto que abrangeria companhias ferroviárias no Brasil, Bolívia, Peru, Chile e Paraguai. Essa estratégia de internacionalização demonstra o potencial de difusão de conhecimentos em torno do progresso técnico e científico estimulado por meio de ferrovias no país, capaz de modificar hábitos e fisionomias territoriais.

 

Vale aqui destacar que este caráter estratégico agregado à linha permite a continuidade de investimentos por parte do governo, atuantes até mesmo em períodos onde o declínio financeiro voltado ao modelo ferroviário era crescente, representando a finalização das atividades de diversas companhias.

 

A variedade de perfis topográficos encontrados ao longo do trajeto apresentam um enorme desafio em sua realização, diversos trechos da linha levaram muito tempo para serem construídos. Sendo assim, a atuação de profissionais e técnicos na execução do trajeto era constante. Nos primeiros anos de atuação, merece destaque a atuação de inúmeros profissionais estrangeiros, que entre outras características seriam responsáveis pela implantação de ideais internacionais em meio ao nascente contexto urbano da zona Noroeste. Esta atuação seria marcante até o momento em que profissionais brasileiros passam a atuar nos grandes projetos nacionais após sua capacitação tanto na Europa, quanto no Brasil.

 

As variações topográficas permitem que ao longo de seu trajeto, fossem instaladas usinas hidrelétricas próximas às quedas d’água dos rios, fator e importância ao futuro desenvolvimento econômico e industrial das cidades instaladas.

 

Assim como na região de influência das demais companhias, também é de extrema importância a presença de outras culturas em sobreposição ao cultivo do café, servindo de suporte e fontes de matéria prima às atividades industriais. De maneira geral, o cultivo na zona Noroeste é marcado pela subdivisão em pequenas propriedades, e neste cenário, a atuação de cooperativas também era frequente.

 

Observou-se também, que as áreas de plantio não se encontravam necessariamente próximas às empresas de beneficiamento, o que demonstra a permeabilidade entre as regiões estudadas. O que nos leva a concluir que outros modais, como a dispersão de estradas passam a ser estimulados, servindo tanto os ambientes já providos de infraestrutura de transportes, quanto as regiões ainda não servidas pela ferrovia.

 

A atividade pecuária e o cultivo da cana se fazem presentes em algumas regiões, atuando de maneira conjunta à outra atividade de maior imponência. Sendo assim, era comum encontrar fazendas equipadas com máquinas de beneficiamento e engenhos de cana de açúcar. Observou-se a partir da cidade de Presidente Alves, a presença de engenhos e destilarias em meio à produção industrial. Quanto aos pastos, estes ocupavam as encostas inferiores das colinas, regiões muitas vezes descartadas para a formação de lavouras por conta das frequentes geadas.

 

Em assistência a esta nova atividade, anos mais tarde, a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil passa a oferecer vagões para realização do transporte do gado, com o intuito de dinamizar e conferir maiores lucros aos criadores, nem sempre lucrativa a companhia, uma vez que sua estrutura deveria ser alterada para o transporte.

 

A partir da década de 1970, o fim das atividades em torno do modelo ferroviário representa a estagnação econômica das pequenas cidades em torno do eixo, já quanto às cidades de maior desenvolvimento, a reestruturação econômica é possível, refletindo a maior elasticidade e permeabilidade de seu contexto urbano. (SCHIAVON, 2009)

                                                                                                                              

 

[1] Decreto n° 862 de 16 de Outubro de 1890. Disponível em:<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-862-16-outubro-1890-523759-publicacaooriginal-1-pe.html> acesso em ago. 2016.

                     

Referências Bibliográficas:

MATOS, Odilon Nogueira de. Café e Ferrovias. A Evoulção Ferroviária de São Paulo e o Desenvolvimento da Cultura Cafeeira. São Paulo: Alfa-Omega. 1974.

 

NEVES, Correia das. História da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. São Paulo: Tipografias e Livrarias Brasil, 1958

SCHIAVON, Taís. O avanço da indústria no oeste paulista: ramal ferroviário da Noroeste. Orientação Bolsa Iniciação Científica. BP.IC. Ap. Tem. Projeto Temático FAPESP, São Paulo. Processo: 08/61507-1, 2009. Orientação Adalberto da Silva Retto Jr.

FIGUEIRÊDO, Lima. A Noroeste do Brasil e a Brasil-Bolívia. Livraria José Olympio Editora. São Paulo. 1950.

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