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Sendo o Brasil um país de dimensões continentais, suas características climáticas, naturais e geográficas apresentam diferentes formalizações ao longo de sua extensão territorial, cujos detalhes em algumas regiões lograram anos para serem identificados. Em meio a transição do século XIX para o século XX, já com a “marcha para o oeste” em andamento, foi confiada à Comissão Geográfica e Geológica[1], o reconhecimento do sertão, sendo os esforços concentrados neste primeiro momento ao reconhecimento e exploração dos rios, realizados a partir dos vestígios das antigas vias de penetração, áreas pouco exploradas, cujas atividades eram de difícil realização.

 

(...) abra-se aqui um parêntese para ressaltar o mérito dos trabalhos de levantamento geográfico procedidos desde fins do século passado pela antiga Comissão Geológica (origem do atual Instituto Geográfico e Geológico do Estado) (...). Seus relatórios constituem documentos importantíssimos para uma história de explorações geográficas em nosso país, especialmente  quando se considera a precariedade dos seus recursos e de seus métodos de trabalhos. Todavia – dizíamos -  em algumas das áreas que mais nos interessam, o primeiro trabalho de reconhecimento foi levado a efeito pelos próprios engenheiros empregados de construir a ferrovia, e no caso especial da Noroeste, uma certa pressa na execução da estrada implicou em falhas que muito lhe custaram, e que acabaram com o tempo, precisando ser corrigidas. (...) Ali, com efeito, a ferrovia precedeu o povoamento. Suas cidades, hoje todas muito importantes, praticamente tiveram início com a estação, ou até antes, com os barracões dos trabalhadores da estrada. E boa parte delas conservou durante muito tempo a  estação original, marco inicial de um povoamento em função do qual a cidade se criou e desenvolveu. (MATOS, 1974: 96)

 

O caminho traçado pelas “zonas pioneiras” em geral acompanhava as condições naturais do relevo, sendo as ferrovias dispersas paralelamente, criando uma espécie de seqüência de trilhos e cidades, muitas vezes próximas ao curso dos rios. Toda esta composição será caracterizada por Monbeig como parte da paisagem monótona da região, uma vez que visa a rápida resolução técnica e o consequente avanço dos trilhos.

 

La pénétration ancienne fut assurée en suivante les fonds de vallées, le peuplement moderne au contraire se localise de préférence sur les plateaux ; route et rail s’allongent parallèlement aux lignes de partage des eux, aux “espigões”. (…)

Une seule voie ferré fait exception à cette règle, celle de la Noroeste qui conduit au Mato-Grosso et dont la construction se paya par la perte d’un bon nombre de vies humaines ; de plus cette erreur de tracé ralentit la mise en valeur sur les régions bordières et il a fallu construire une variante qui quitte les zones basses[2]. (MONBEIG, 1937 : 12-13)

 

Na região dos vales, ponto inicial do desenvolvimento ferroviário, a formação geográfica possui algumas variações de seus perfis inclinados, sendo em alguns casos as condições impraticáveis ao desenvolvimento moderno, que portanto, concentra seu desenvolvimento ao longo dos espigões, áreas destinadas também às vias de comunicação.

 

Entre os solos identificados, a terra roxa não ocupa mais do que 2% dos solos de toda a região, considerada de boa qualidade para a agricultura, era identificada em altitudes mais elevadas. Conforme identificado por Monbeig, o oeste paulista apresenta a hegemonia de solos de arenitos, um dos solos mais pobres do país, uma vez que se caracterizam como solos extremamente permeáveis e ácidos, representando certo empecilho a exploração econômica.

 

O desenvolvimento das quatro companhias ferroviárias permite a identificação de diferentes estratégias (RETTO Jr., SCHIAVON, 2013). A companhia Araraquarense, por exemplo, possui como maior característica a criação de uma estrutura tipicamente agrária  marcada pelo longo período de isolamento de seus domínios quando comparada às demais regiões. Uma característica marcante também no trecho referente a Alta Sorocabana, com o diferencial marcado pela maior variabilidade em sua produção, um fator capaz de refletir diretamente em suas relações comerciais, marcante tanto em relação às suas cidades quanto em referência às demais zonas. Quanto à Noroeste do Brasil, a ferrovia assume como estratégia principal a comunicação do território, reflexo de sua estratégia nacional de integração territorial, buscando com outras companhias (Paulista ou Sorocabana) a comunicação da porção central com o litoral brasileiro. Desta forma, ao expandir o seu traçado, os trilhos criavam cidades em direção ao Estado do Mato Grosso do Sul (na época representado pelo Estado do Mato Grosso), tendo o período de conclusão de seu trajeto inferior quando comparado ao desenvolvimento das demais companhias. Assim como a Noroeste, a Alta Paulista possui como característica em parte de seu traçado a criação de cidades (SCHIAVON, 2011). Entretanto, as instabilidades do ciclo do café culminam no menor rítmo de suas obras, neste momento entra em ação a prática do rodoviarismo, que em muitos casos era estimulada pela própria companhias de estradas de ferro, sendo nestes casos dedicada às cidades a criação dos centros urbanos.

 

A cidade e o pequeno povoado rural assumiram uma importância desconhecida até então. Nasceram da estação ferroviária ou na estrada de rodagem. Outrora dizia-se “fulano abriu uma fazenda”, agora diz-se “fulano fundou uma cidade”. Em 1928, tanto os pioneiros urbanos como os rurais confiavam no futuro, porque o café, a exemplo do que fizera vinte anos antes, permitia construir fortunas rapidamente. Mas a crise iria explodir e deveria, por suas consequências, complicar ainda mais a paisagem e o mundo pioneiros. (MONBEIG, 1998: 204)

 

Vencovsky (2006: 15) afirma a existência de períodos de maleabilidade em torno das políticas de transporte, afirmando que este se preocupava, “(...) num determinado momento, com a ocupação do território brasileiro, num segundo momento, com a modernização e, num terceiro, com a inserção internacional.” 

 

Criadas principalmente ao longo do século XX, Monbeig (1998) afirma que em sua formação original as cidades do Oeste Paulista apresentam em grande parte uma composição homogênea de seus traçados, uma característica diretamente refletida na composição de sua paisagem. Para Tafuri e Dal Co (1986: 16, apud: RETTO Jr; et. al, 2011) “the railroad industry installation draws an urbanization model, dedicated to be reproduced without variation that propitiates, around each station, an accelerated lands valorization scheme in such a way to ensure terrific dividends that evolves the “whole system” settlement, and that extends in regional scale.”[3]

 

As origens desta homogeneização apresentam algumas hipóteses, sendo em alguns casos marcante até os dias atuais. Na maioria dos casos, a dualidade existente entre a necessidade de criação de novos núcleos de produção e de concentração urbana em meio ao sertão, ocorreram em paralelo ao avanço das companhias ferroviárias da região. Esta relação de mútua dependência, evidencia a permanência da estrutura agrária, principal fonte econômica, em parceria ao desenvolvimento de núcleos urbanos obedecendo desde sua origem a princípios racionais (RETTO Jr; et. al, 2011).

 

(...) Hoje é o caminho de ferro que funda as cidades e promove, com a indústria, as grandes aglomerações urbanas. Ele, o plantador de cidades, é todo poderoso nessa matéria, como se viu na Noroeste, em que numerosas vilas, hoje cidades de primeira ordem, como que brotaram do chão, na ponta dos trilhos, e pequenas povoações foram obrigadas muito simplesmente a transportar suas casas para onde queria o caminho de ferro. (AZEVEDO, 1950: 119-120)

 

Esta prática recebe incentivos após a promulgação da Lei Federal de 1907 e do Decreto n° 8.532 de 1911, que permitiam a dispersão de inúmeras companhias de colonização, muitas vezes aliadas às Companhias de Estrada de Ferro, responsáveis pelo “retalhamento” de diversas fazendas localizadas às margens dos trilhos. Característica capaz de influenciar na tipologia e porte industrial instalado na região.

 

A ferrovia desenvolve regiões, cria cidades e impulsiona a indústria, formulando uma espécie de ‘rede’ articulada em torno de seus domínios. Suas cidades desenvolvem serrarias, olarias e oficinas, destinadas ao fornecimento de materiais às ferrovias e às cidades que se reestruturavam ao longo dos trilhos ou surgiam em função de sua expansão (SCHIAVON, 2011).

 

O processo de implantação de cidades da primeira metade do século XX, pode ser caracterizado como um marco ao planejamento urbano brasileiro, sobretudo da região oeste do Estado de São Paulo, cujo principal objetivo girava em torno da obtenção de um rápido retorno do investimento empregado por fazendeiros, ferrovias e companhias de colonização, responsáveis pelo traçado das cidades e dispersão de equipamentos de qualificação urbana e carências de seus habitantes. (MENEZES, 2008)

 

A relação de dependência entre ferrovias, núcleos urbanos e a variabilidade da produção, se torna maior se comparada aos modelos anteriores. Características reveladas a partir da análise de diferentes cidades ao longo dos trilhos, onde a variação entre as dimensões e formas de ocupação dos núcleos urbanos possuem influência direta da respectiva companhia e dos possíveis fazendeiros em atuação (SCHIAVON, 2009).

 

Para Galvão (1996: 239, apud: CARVALHO, 2007: 44) “ a ferrovia constitui o elemento técnico predecessor do estabelecimento da frente pioneira (...); as cidades nascidas à margem dos trilhos constituíram núcleos motores, distribuidores e coordenadores do crescimento sócio econômico (...): cafeicultura, cotonicultura e pecuária e as não básicas de atendimento à população”. Um contexto que para Azevedo (1950: 119, 120) ocorria “a medida que avançava e progredia para o interior, ia a estrada lançando, nas suas estações-fantasmas, as sementes de núcleos urbanos e fazia nascer, na extremidade da linha, essas cidades de vanguarda que se chamavam ‘bocas de sertão’ (...)”.

 

Essa articulação marcará por longo período a implementação e o crescimento de indústrias e a transformação de inúmeras cidades, existindo vários exemplos no próprio Estado de São Paulo (...). Ademais, muitos complexos ferroviários são verdadeiras usinas, existindo oficinas de produção de componentes, de montagem e de reparos que apresentam uma organização do trabalho e encadeamento de produção de fato industriais. (KUHL, 1998: 40)

 

Uma revolução que conforme descrito por Azevedo (1950) não obteve semelhança em nenhuma outra região da América do Sul, este mesmo autor completa ainda que na “(...) transformação tão vasta e profunda como a da Noroeste do Brasil e o que era ‘selva selvaggia’, em 12 anos se transmudou em fazendas, povoações, vilas e cidades modernas.”

 

A partir dos anos 1960 uma marcante ruptura passa a ser identificada, momento onde o rodoviarismo demonstra importância ao transporte de produtos e pessoas (PRADO, 2011). A partir desta nova expansão a forte característica geométrica presente no traçado urbano perde espaço para o surgimento de um traçado irregular, em contraste com o núcleo histórico das cidades.

 

O ideal urbano lançado sobre as cidades abertas com o avanço da “franja pioneira” sobretudo as localizadas na porção Oeste de São Paulo possui como característica a ortogonalidade de seus loteamentos e quadras. Esta geometria reflete a relação existente entre as soluções arquitetônicas e suas possíveis utilizações, ambas demonstrando os traços de um ‘sistema moderno’ de organização e estruturação urbana, uma a ruptura aos laços coloniais em troca de um modelo racional, imposto pela dispersão dos ideais modernos decorrentes principalmente da industrialização de vários países Europeus e dos Estados Unidos (MENEZES, 2008).

 

Espanta-se o europeu, quando ouve chamar de ‘velha’ uma cidade como Ribeirão Preto, que não conta três quartos de século (...). Tudo se passa como se este país conhecesse em setenta e cinco anos, um século no máximo, o que se levou milênios para fazer na Europa. (MONBEIG,  1928: 23)

 

 

[1]Comissão Geográfica e Geológica _ criada em 1886, com o intuito de explorar e colonizar esta a porção oeste da província, contando com cientistas, geólogos, geógrafos e engenheiros de maior renome na época. Grande parte deste acervo foi herdado pelo Instituto Geográfico e Cartográfico e disponibilizado ao público desde 2013.

[2]A histórica penetração territorial foi realizada em meio aos fundos de vale, o povoamento moderno, ao contrário se localizou preferencialmente em meio aos platôs, estrada e trilhos se alinharam paralelamente a linha de divisão das águas, nos espigões.

Apenas uma ferrovia fez exceção a esta regra, foi a Noroeste, que conduzida até o Mato Grosso teve como pagamento a perda de um bom número de vidas humanas, em mais, esse erro de traçado permitiu a valorização de suas regiões de fronteira e a fez construir uma variante que deixou as zonas baixas. (Tradução própria)

[3]A indústria ferroviária desenha a instalação de um modelo de urbanização, dedicado a ser reproduzida sem variação, que propicia, em torno de cada estação, um terras esquema de valorização acelerada, de tal maneira de garantir que óptimos dividendos evolui o" "liquidação de todo o sistema e isso se estende em escala regional.” (Tradução própria).

 

Referências Bibliográficas

AZEVEDO, Fernando de. Um Trem corre para o Oeste. Estudo sobre a Noroeste e seu papel no sistema de viação nacional. São Paulo, Livraria Martins Editora S.A, 1950.

 

CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. São Paulo, Editora T. A Queiroz. 1998.

 

CARVALHO, Marina Barroso de. Conformação da estrutura agrária na forma do tecido urbano das cidades do Oeste Paulista: Linha Noroeste. BP.IC. Projeto Temático FAPESP, São Paulo. Processo: 06/58402-3, 2007.

 

CASTRO, Maria Ines Malta. O preço do progresso: a construção da estrada de ferro Noroeste do Brasil (1905-1924). Tese de Dissertação de (Mestrado), Unicamp, Campinas. 1993.

 

GALVÃO, Dora da Silva Ferreira. A expansão geopolítica ferroviária para a região Noroeste do Brasil até a década de 40. São Paulo. 1996.

 

KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização. São Paulo: Ateliê Editorial. 1998.

 

LLOYD, Reginald. 20th Century Impressions of Brazil. Londres: Lloyd. 1913.

 

MATOS, Odilon Nogueira de. Café e Ferrovias. A Evoulção Ferroviária de São Paulo e o Desenvolvimento da Cultura Cafeeira. São Paulo: Alfa-Omega. 1974.

 

MENEZES, Everton Pelegrini de. A quadrícula e suas Variações na ocupação extensiva do território do Oeste Paulista: Estudo comparativo nos quatro ramais ferroviários. BP. IC. Ap. Tem. Projeto Temático FAPESP, São Paulo. Processo: 06/58396-3, 2008.

 

MONBEIG, Pierre. Les voies de communication das l’État de São-Paulo (Brésil). In : Bulletin de l’Association de géographes français, n°102, 14e année, janvier. Pp. 9-16, 1937.

 

MONBEIG, Pierre. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Editora HUCITEC, 1998. 2ª Edição

 

PRADO, Nathalie do. Formação e transformação das cidades do centro–oeste paulista: o rodoviarismo e a substituição do sistema ferroviário. Ramal Noroeste. Orientação Bolsa Iniciação Científica. BP. IC. Processo 10/17492-5. 2011.

 

RETTO JR , Adalberto da Silva; ENOKIBARA, Marta; CONSTANTINO, Norma R. T. Avance de la Franja Pionera y la construcción del paisaje industrial del Estado de San Pablo. In: I Congreso Internacional de Investigación sobre Paisaje Industrial. Sevilla, 2011

 

RETTO Jr., Adalberto da Silva, SCHIAVON, Taís. Cidade e o binômio ferrovia indústria a configuração e a conformação do Oeste Paulista. In: III Congresso Internacional de Cidades Criativas, Unicamp, 2013.

 

SCHIAVON, Taís. O avanço da indústria no oeste paulista: ramal ferroviário da Noroeste. BP.IC. Ap. Tem. Processo 08/61507-1, 2009.

 

SCHIAVON, Taís. Documentação iconográfica e bibliográfica dos profissionais e personagens presentes nas cidades formadas com a abertura das Zonas Pioneiras no Oeste do Estado de São Paulo. PC. TT. Processo, 10/17697-6, 2011.

 

SCHIAVON, Taís. Le Chemin de Fer Noroeste do Brasil et les paysages industriels de l’Ouest de l’État de São Paulo, comme patrimoine de la Mobilité. Master TPTI, Universidade de Évora, Évora, Portugal. Dissertação de Mestrado, 2015. Disponível < http://dspace.uevora.pt/rdpc/handle/10174/18401> acesso, jan. 2017.

TAFURI, M.; DAL CO, F. Contemporaneous Architecture. Col. Storia Universale Dell'architettura. 2ª edição. Milano: Electa, 1998. 

VENCOVSK, Vitor Pires. Sistema Ferroviário e o uso do Território Brasileiro. Uma análise do movimento de produtos agrícolas. Dissertação - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências, Pós-Graduação em Geografia. Campinas, São Paulo. 2006.

A INDUSTRIALIZAÇÃO DO OESTE PAULISTA
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