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Os caminhos abertos no país até o século XIX eram relacionadas às necessidades dos engenhos, captura de índios e a busca por novas riquezas.

 

A situação de isolamento em que o planalto paulista viveu durante quase todo o período colonial, como resultante de condições geográficas bem conhecidas, criou para as regiões de “serra acima” uma configuração sócio-econômica toda especial dentro da comunidade brasileira (...) durante muito tempo – o único ponto ocupado no interior das terras descobertas pelos portugueses, o “campo” (como era denominado na época) ressentiu-se sempre de dificuldades de ligação com a “marinha” (...). (MATOS, 1974: 22)

 

Melhorias passam a ser estimuladas com a transferência da corte ao Brasil, em 1808. Entre as medidas destaca-se a contratação de engenheiros militares, cujas ações eram concentradas nas principais cidades ao longo da costa litorânea.

 

Conforme Matos (1974: 27) “as ligações do planalto com o litoral permaneceram precárias durante muito tempo, (...) o velho caminho do mar teve que passar por transformações radicais para permitir o transporte economicamente vantajoso do açúcar do planalto”. A expansão do processo ferroviário brasileiro coincide com a segunda metade do século XIX, um período histórico de importância ao país, refletindo a necessidade de reestruturação política, econômica e espacial.

 

Com uma enorme extensão de terras entre o litoral e o Oeste desabitado, o Brasil só deixará de ser uma unidade geográfica, para ser uma unidade econômica, no dia em que, à sua extensa costa, esteja ligada, por via fluvial navegável ou por via férrea, todo o imenso latifúndio do Centro e Oeste do país. (LLOYD, 1913)

 

A ferrovia apareceria como modalidade de transporte responsável pelo re-equacionamento da ocupação territorial e “aparelhamento técnico do país” que segundo Xavier (2005, apud SANTOS & SILVEIRA, 2001), causara uma integração parcial do território brasileiro polarizado em grande parte pelo Estado de São Paulo (IANNI, 1971 e SINGER, 1968).

É caracterizada como "Franja Pioneira", o movimento em torno do avanço do território brasileiro que a partir do Estado do Rio de Janeiro segue em direção ao Estado São Paulo, tendo como percurso, a região do Vale do Paraíba, incluindo as localidades de Taubaté e Guaratinguetá abertas entre 1645-1646. Em toda esta nova região, o café foi introduzido substituindo as plantações do Estado do Rio de Janeiro.

Ao longo do Império, a construção de ferrovias, foram associadas ao processo de modernização territorial, cujos impactos mais marcantes ocorrem sobretudo após a segunda metade do século XIX, reflexo do maior desenvolvimento econômico, a articulação de novas infraestruturas e a consequente urbanização de toda a região.

 

Para Acioli (2007), a estruturação do complexo ferroviário nacional adota ao longo do século XIX, quatro fases distintas. A primeira fase se caracteriza pelos ensaios malogrados, preparando o território para as futuras realizações. A segunda marca as concessões realizadas por “zona privilegiada” e “garantia de juros” permitindo o primeiro surto ferroviário. A partir de 1880 foi aberta a terceira fase, na qual as estradas eram ainda regidas pelo “privilégio de zona”, mas dispensando as garantias de juros. A partir de 1891 a quarta fase passa a ser definida pelo regime de plena liberdade, representando o período em que a atividade ferroviária se emancipava da proteção do Estado.

De um modo em geral a ocupação e o reconhecimento do território brasileiro teve seu início pela colonização de cidades localizadas de forma dispersa ao longo de seu litoral Atlântico. A partir desta região, pequenas estradas eram abertas em direção aos Estados de Minas Gerais e Goiás, tendo como interesse a extração de minerais e o domínio territorial.

Inúmeros foram os exploradores responsáveis pela identificação deste novo território, permitindo o estabelecimento de colônias em meio à porção central do território brasileiro, tendo entre suas consequências, o povoamento e o crescente desenvolvimento das atividades econômicas, responsáveis também pelo aprimoramento de antigos caminhos, e o encorajamento para a abertura de novos caminhos e a consequente consolidação de comunicações regionais. (HOLANDA, 1989, p.26).

“(...) A Mogiana reproduz o caminho do Anhanguera. A Paulista e a Noroeste, até o rio Paraná, copiam o caminho dos rios que levou á conquista de Mato Grosso, (...). A Sorocabana, por suas duas penetrações de S. Paulo a Presidente Epitaceo, á margem do Paraná (...).” (CALÓGERAS, 1928, p. 111)

Afirmando esta condição, Salgueiro (2006) observa que “antes das levas de pioneiros, sucessivas na história brasileira do século XX, uma boa parte do território nacional ainda era desconhecida, os mapas dos anos 1910/1912 mostravam espaços vazios onde se lia ainda, no caso do oeste Paulista e norte do Paraná, a inscrição: ‘território inexplorado, habitado por índios’”.

“Território inexplorado”, a região oeste do Estado de São Paulo, demonstra ao longo do século XIX, parte das estratégias nacionais em meio à extensão do território e suas respectivas conexões nacionais e internacionais, inicialmente promovidas pelo sistema ferroviário de transporte.

Até a primeira metade do século XIX, o Brasil ainda não possuía uma solidificada rede de transportes. Mesmo em meio a essa desarticulação, nota-se que em fins do século XIX e especialmente durante o século XX, as ferrovias caracterizam-se como um elemento importante ao reconhecimento territorial. Entretanto, em meio a este período, foram poucos os estudos e os documentos cartográficos brasileiros, de um modo em geral demostrando exclusivamente as áreas relativas aos estados do Rio de Janeiro, em acréscimo à região central do estado de São Paulo e regiões dos estados do nordeste do país, enquanto as características das demais regiões do território eram praticamente desconhecidas.

As ferrovias do sudeste brasileiro foram construídas em virtude das necessidades do desenvolvimento da cultura cafeeira. Um contraste ao Nordeste do país, por exemplo, onde a cana de açúcar exercia o domínio econômico da região. Neste sentido Calógeras (1928: 113) afirma que “quem olha para um mapa do Brasil, não pode deixar de reconhecer o puro regionalismo dos sistemas de transporte”.

FERROVIAS NO BRASIL. ÁREAS DE PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE FERROVIAS 1890. Fonte: SCHIAVON, 2015

Conforme descrito por Monbeig, a partir do Vale do Paraíba, a "Franja Pioneira" poderia seguir pelo Caminho de Goiás até o leste do Estado de São Paulo; e também ao seu interior, da cidade de Jundiaí; ou norte para Campinas e Rio Claro, onde o café é inicialmente cultivado. Como resultado do enfraquecimento dessas regiões, a "Franja Pioneira" poderia seguir para o sul, onde funda a cidade de Sorocaba, e também para a parte ocidental do Estado, criando a cidade de Ribeirão Preto. (MONBEIG, 1998)

 

Desta forma, a expansão da "Franja Pioneira" pode ser considerada como uma atividade em constante desenvolvimento, uma vez que pode tanto acompanhar as áreas de expansão do café, favorecendo assim o deslocamento dos centros de produção; quanto promover novas regiões, como ocorrido em boa parte da região oeste do Estado de São Paulo, um contexto em meio ao “território inexplorado”.

 

No século XIX, o contexto em meio ao oeste do Estado de São Paulo e  região central do Brasil, demonstrava estradas precárias, a navegação fluvial dependia de acordos internacionais, como o caso da navegação do rio Paraguai, um dos principais rios da Bacia Cisplatina, responsável pela demarcação de fronteira entre o Brasil, a Bolívia, o Paraguai e Uruguai. A "frente pioneira", agindo como um movimento cada vez mais distante, enfatiza a necessidade de um meio eficaz de comunicação, responsável pela interligação entre as novas áreas de produção do Estado de São Paulo e o porto de Santos, que tinha como obstáculo o desnível de cerca de 800m de diferença entre as regiões geográficas do Planalto Paulista e a Serra do Mar, inicialmente conquistada pela São Paulo Railway.

Para Lloyd (1913) a transição entre o século XIX e o século XX é também reconhecida pelo lançamento de ‘empreendimentos irrealizáveis’, entre elas o lançamento de ferrovias transcontinentais, existentes em grande parte apenas no papel (RETTO Jr., 2003).

 

Realmente, só os países industrializados como os Estados Unidos e o Canadá, nos fins do século XIX, podiam dar-se ao luxo das transcontinentais ou das grandes vias de penetração que aliás, atravessando-os de leste a oeste, se estendiam de oceano a oceano. Por serem estradas dianteiras, (...) abriam o coração do país ao comércio com dois continentes (...) a fim de fornecer à região do hinterland facilidades de transporte para seus produtos agrícolas e permitir-lhes o acesso dos produtos manufaturados, dos grandes centros industriais (...) (AZEVEDO, 1950: 59-60)

 

A instabilidade política em meio às relações centro-periferia contribuem para a criação de políticas ferroviárias de grande envergadura. No Brasil este fato pode ser observado a partir da análise de alguns de seus planos de viação, justificando o interesse de investidores estrangeiros no Brasil, visto por muitos como um ambiente promissor.

 

Para Bresciani, Retto Jr. (2009) “os novos atores, protagonizados pelo ‘engenheiro moderno’, iriam ocupar-se da construção de infraestruturas de transporte e ordenamento territorial do Estado (...), encarnando os valores do progresso por meio de processos técnicos com o fito de conhecimento do território”, que entre outras características seriam responsáveis pela formação do “território moderno” e “productif”. (ALLIÈS, 1980; PICON, 1992; CHATIZIZ, 2000)

O processo de expansão da "Franja Pioneira" com início na região do Vale do Paraíba em 1840, inclui conforme já citado, as cidades de Taubaté e Guaratinguetá. Em 1860, este processo progride, atingindo as cidades de São Paulo, Campinas, Jundiaí e Porto Feliz, neste período, o porto de Santos representa o principal caminho para o Oceano Atlântico no Estado de São Paulo, reflexo das obras da São Paulo Railway Company. A partir de 1870, destacam-se as cidades de Sorocaba e Botucatu. Em 1890, encerrando o século XIX, a "Frente Pioneira" atinge as cidades de Rio Claro, Araraquara e Ribeirão Preto. O século XX abre um novo comportamento, seguindo em direção ao oeste do Estado de São Paulo, onde as ferrovias possuem como maior característica a sua instalação em um momento posterior ao cultivo café, e em consequência ao seu desenvolvimento econômico.

 

Neste contexto, em meio ao avanço da "Marcha para o Oeste", as empresas Araraquarense, Noroeste, Paulista e Sorocabana promoviam o transporte de pessoas, bens e serviços entre as regiões já urbanizadas e o “sertão” do Estado, buscando a cima de tudo a transformação da paisagem natural do "território selvagem e inexplorado" em um ambiente composto de "modernas" cidades abertas em um curto intervalo de tempo. (RETTO JR, ENOKIBARA, CONSTANTINO, 2011)

 

Neste processo, a implantação de cidades da primeira metade do século XX caracteriza-se como um período importante ao planejamento urbano brasileiro, especialmente em meio ao contexto em questão neste artigo, onde predominava o intuito de obtenção de um rápido retorno do investimento empregado pelos agricultores, e das companhias ferroviárias e de colonização. (MENEZES, 2008)

EVOLUÇÃO DA "FRANJA PIONEIRA", SUBDIVISÃO EM PERÍODOS. Fonte: SCHIAVON, 2015.

A Proclamação da República em 1889 oficializa o fim das relações de domínio da Coroa Portuguesa no Brasil iniciando um novo processo de organização territorial e econômica, parcerias e investidores ao país. Toma corpo um novo contexto nacionalista e territorialista em estímulo à criação de referenciais nacionais. Um processo facilitado pela maior abertura aos mercados internacionais e a consequente fixação de novos territórios.

Esta nova fase do desenvolvimento ferroviário nacional pode ser dividido em cinco períodos. Na primeira fase (1900 a 1907), as investidas em torno do complexo ferroviário ainda demonstram os reflexos do período Imperial, a busca por novos investidores e o impulso ao povoamento são incentivadas por propagandas nacionais dispersas por vários países[1]. A segunda fase (1907 a 1910) mostra a inversão e impulso ao desenvolvimento ferroviário, reflexos de investimentos do governo de Rodrigues Alves (1902 a 1906) e impulso ao processo migratório. Continuando as investidas dos governos anteriores, a terceira fase (1910 a 1915) coincide com o impulso industrial brasileiro atraindo desta maneira um novo ciclo de investimentos externos. As crises mundiais marcam a quarta fase (1915 a 1930), um período onde os investimentos estrangeiros tornam-se restritos, uma vez que retornam aos países de origem, esta fase representa o início da inflexão de novos investimentos e início da transição para o rodoviarismo. A partir de 1930, a quinta fase representa a restrição de investimentos por parte do governo, destinados às companhias que atendessem estratégias em torno do desenvolvimento territorial.

BRASIL, CONCENTRAÇÃO DE FERROVIAS 1913. Fonte: SCHIAVON, 2015.

[1] Este pode ser caracterizado como o período de impulso ao desenvolvimento ferroviário do Oeste Paulista. Após inúmeros projetos lançados ao longo da segunda metade do século XIX, o século XX traz com o prolongamento dos trilhos da Sorocabana até a cidade de Bauru (1905), o ponto de partida do avanço da Noroeste do Brasil até as margens do rio Paraná, na divisa com o Estado do Mato Grosso.

Referências Bibliográficas:

ACIOLI, Rodrigo Girdwood. Os mecanismos de Financiamento das Ferrovias Brasileiras. Rio de Janeiro. Programa de Engenharia de Transportes – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado, 2007.

 

ALLIÈS, Paul. L'invention du territoire. Grenoble: Collection Critique du Droit 6. Presses Universitaire de Grenoble, 1980.

 

AZEVEDO, Fernando de. Um trem corre para o oeste. Estudo sobre a Noroeste e seu papel no sistema de viação nacional. São Paulo: Livraria Martins Editora S.A. 1950.

 

BRESCIANI, Maria Stella Marstins; RETTO Jr, Adalberto da Silva. Utopia, cidade, território: da França ao Brasil. In: Colóquio Internacional Interdisciplinar Pontes & Idéias Luois-Leger Vauthier engenheiro francês no Brasil. Recife, 2009.

 

CALÓGERAS, Pandiá. Problemas de Governo. São Paulo, Empresa Graphica Rosseti LTDA, 1928.

 

CHATIZIZ, Konstantinos. La pluie, le Métro et l'ingénieur, Contribuition à l'histoire de l'assainissement et des transports urbains (XIXe-XXe siècles). Paris: L'Harmattan, 2000.

 

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. vol.1. 21ª ed. Coleção Documentos Brasileiros, Rio de Janeiro: José Olympio. 1989.

 

IANNI, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). Série Coleção Retratos do Brasil, v. 83, Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1971.

 

LLOYD, Reginald. 20th Century Impressions of Brazil. Londres: Lloyd. 1913.

 

MATOS, Odilon Nogueira de. Café e Ferrovias. A Evoulção Ferroviária de São Paulo e o Desenvolvimento da Cultura Cafeeira. São Paulo: Alfa-Omega. 1974.

 

PICON, Antoine. L'invention de l'ingénieur moderne. L'École des Ponts et Chaussées 1747-1851. Paris: Presses des Ponts et Chaussées, 1992.

 

RETTO Jr., Adalberto. Escalas de Modernidade. Vale do Anhangabaú: estudo de uma estrutura urbana. Tese de doutoramento FAU-USP/IAUV, São Paulo, 2003.

 

RETTO JR , Adalberto da Silva; ENOKIBARA, Marta; CONSTANTINO, Norma R. T. Avance de la Franja Pionera y la construcción del paisaje industrial del Estado de San Pablo. In: I Congreso Internacional de Investigación sobre Paisaje Industrial. Sevilla, 2011

 

SALGUEIRO, Heliana Angotti (org). Pierre Monbeig e a geografia humana brasileira. Bauru: EDUSC, 2006.

 

SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.

 

SCHIAVON, Taís. Le Chemin de Fer Noroeste do Brasil et les paysages industriels de l’Ouest de l’État de São Paulo, comme patrimoine de la Mobilité au Brésil. Master TPTI, Universidade de Évora, Évora, Portugal, 2015. Dissertação de Mestrado. Disponível <http://dspace.uevora.pt/rdpc/handle/10174/18401> acesso, jan. 2017.

SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo: Edusp, 1968.

XAVIER, Marcos. Os Sistemas de Engenharia e a Tecnicização do Território. O Exemplo da Rede Rodoviária Brasileira. In: SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.

A MARCHA PARA O OESTE
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