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Até o século XIX, as atividades comerciais compreendiam uma espécie de escambo de mercadorias entre a metrópole e a colônia. Esta troca consistia na importação de artigos manufaturados, sobretudo da Europa e a exportação de matérias primas como o açúcar bruto, ouro, algodão, peles, café, cacau, lã e índigo. Ao romper da segunda metade do século XIX, o cenário comercial brasileiro apresenta um contexto oposto ao anterior, as importações passam a exceder o volume de exportações. As relações comerciais brasileiras encontravam-se abertas, restando agora um novo período de reestruturação voltado à capacitação da colônia quanto à produção de bens de consumo importados até então.

 

Uma comparação realizada por Lloyd (1913) demonstra as transformações ocorridas no contexto brasileiro, compondo um arco temporal entre o intervalo de 1875 e 1907 (ano do primeiro censo industrial brasileiro). Neste período, a importação de máquinas, que anteriormente representava apenas 1,7% do valor total de importações, passa para 8,59%. Observa-se também, um aumento dos índices de importação de matérias primas voltadas às atividades tipicamente industriais, e a conseqüente redução de determinados produtos industrializados, índices que representam os primeiros passos do contexto da produção industrial no país.

 

Quanto às exportações, os principais índices brasileiros giravam em torno de produtos como o café, a borracha, o mate, o fumo, o cacau, o algodão e o açúcar, cuja ordem de maior importância econômica variava conforme os períodos de analise e do volume de importações.

 

A diversificação do cenário agro-exportador e a ampliação dos mercados consumidores destes produtos abrem oportunidades para o aprimoramento de novas atividades e setores na dinâmica econômica brasileira, entretanto, “(...) esse padrão de acumulação ‘primário-exportador’ só começou a ser modificado com a crise de 1929.” (Vencovsky, 2006: 19, apud Cano, 1998: 285)

 

O primeiro Censo Industrial do Brasil, realizado em 1907, demonstra a produção brasileira de mais de 30 artigos, entre eles, tecidos de algodão, lã e seda, preparados de couro, sacos, gravatas de seda, mobiliário de madeira, louças, calçados, perfumaria, chapéus de cabeça e de sol, charutos e cigarros, flores artificiais, tinta de escrever e de imprimir, fósforos, malas e baús, luvas, objetos de cerâmica, cordoalha, açúcar, banha e toucinho, biscoitos, cerveja, chocolate e confeitos, vinagre, carne seca, massas alimentícias, sal, manteiga e queijo.

 

Em seu estudo sobre os primórdios da industrialização no Brasil, Cano (1998) divide as indústrias encontradas até 1907 a partir de três maneiras: segmentos simples, intermediários e complexos, variáveis conforme a complexidade técnica de sua produção.

  • Simples: fabricas onde é precário o uso de máquinas e de energia elétrica, participação de pequenos estabelecimentos (serrarias e fábricas de móveis de madeira, pequenas oficinas mecânicas de reparação, olarias, artefatos de couro, confecções e malharia, massas alimentícias, moagem de cereais, panificação, biscoitos e confeitaria, bebidas alcoólicas e refrigerantes, perfumaria, sabões e velas, produtos químicos simples e farmacêuticos).

  • Intermediários: locais de produção já se mostram organizados a partir de incipiente flexibilidade tecnológica, e uso reduzido de energia elétrica, sendo na maior parte dos casos ainda reduzida a utilização de maquinas. (calçados, curtumes, chapéus, charque, cigarros, material de transporte, oficinas construtoras de bens de capital, etc).

  • Complexos: ambientes industriais onde a mecanização já ocorria de maneira mais intensa tendo nesse caso maior necessidade de uso de energia elétrica. (fiação e tecelagem, papel, cimento, siderurgia, vidro, construção naval, moinhos de trigo, fósforos, usina de açúcar e outras).

 

Por várias vezes o conceito de modernidade foi responsável pela narrativa das transformações urbanas de nossa sociedade, neste processo, os meios de comunicações territoriais foram alvo de avanços técnicos, diretamente refletidos na organização e reorganização do território (ANASTASIADOU, 2011).

 

Não se pode manter em um país imenso uma rede ferroviária sem introduzir todos os processos industriais necessários para satisfação das necessidades momentâneas dos eixos férreos assim como as necessidades comuns, o que resulta no desenvolvimento de atividades industriais em ramos não conectados à ferrovia. (CANO, 1998)

 

Fruto da primeira revolução industrial, o sistema ferroviário de transportes, representa ao século XIX um grande símbolo de modernidade onde “(...) se tornou comum associar o vapor e as ferrovias à abertura de uma nova era, na qual o progresso atuaria como mola propulsora da história.” (CASTRO, 1993: 29) Um extenso movimento onde o progresso ultrapassava o aspecto material, uma vez que as companhias exerceriam influências positivas sobre o conjunto das atividades humanas, alterando costumes, a moral, a cultura, a instrução e a política.

 

Se quando inserida em um ambiente urbano as ferrovias dependem de uma série de estruturas atuantes em seu entorno, as companhias abertas em meio aos “sertões” mais do que nunca precisam garantir o seu suporte. De maneira inversa ao ocorrido em grande parte do país até então, as companhias abertas na porção oeste do Estado de São Paulo tornam-se em muitos casos responsáveis pela abertura de cidades e o engrandecimento dos núcleos urbanos existentes ao longo de seu avanço.

 

(...) enquanto as estradas europeias se dirigiam para a cidade e foram construídas para entrelaçar importantes focos de civilização, já articulados por estradas seculares, (...), os nossos ferrocarris, ao contrario, estiraram seus trilhos para ligar através de grandes distancias, os centros produtores do café aos portos de embarque, ou marchavam, como a Sorocabana e a Noroeste, para o deserto. Em vez de unir centros fabris e agrícolas, de vida já intensa, e muito próximos uns dos outros, como na Europa, o caminho de ferro foi, entre nós, um criador de cidades; e até que estas se desenvolvessem (...), tiveram os trens de correr, para buscarem o café no interior, através de pequenos núcleos urbanos e de grandes extensões, inexploradas e solitárias. (AZEVEDO, 1950: 256)   

PRODUÇÃO INDUSTRIAL DO OESTE PAULISTA. Fonte: SCHIAVON, 2015.

Referências Bibliográficas: 

ANASTASIADOU, I. Constructing Iron Europe: Transnationalism and Railways in the Interbellum. Amsterdan: Technology and European History Series. 2011.

 

AZEVEDO, Fernando de. Um Trem corre para o Oeste. Estudo sobre a Noroeste e seu papel no sistema de viação nacional. São Paulo, Livraria Martins Editora S.A, 1950.

CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. São Paulo, Editora T. A Queiroz. 1998.

LLOYD, Reginald. 20th Century Impressions of Brazil. Londres: Lloyd. 1913.

SCHIAVON, Taís. Le Chemin de Fer Noroeste do Brasil et les paysages industriels de l’Ouest de l’État de São Paulo, comme patrimoine de la Mobilité. Master TPTI, Universidade de Évora, Évora, Portugal. Dissertação de Mestrado, 2015. Disponível < http://dspace.uevora.pt/rdpc/handle/10174/18401> acesso, jan. 2017.

VENCOVSK, Vitor Pires. Sistema Ferroviário e o uso do Território Brasileiro. Uma análise do movimento de produtos agrícolas. Dissertação - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências, Pós-Graduação em Geografia. Campinas, São Paulo. 2006.

FERROVIA X INDÚSTRIA
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